domingo, 30 de outubro de 2016

Goliath, série de David Kelly - 2ª parte - Entrevista

David Kelly (E) e Jon Shapiro (D)
Abaixo a segunda parte do post sobre a série Goliath, criada por David Kelly (DK) e Jonathan Shapiro (JS).

Ela foi a dada a Todd VanDerWerff (TV) do site Vox.com

TV:  O advogado alcoólatra que quer ser reabilitar é um personagem de ficção que está sempre retornando. O que faz dele um tipo tão clichê?

JS: Não é apenas um clichê. A Associação Americana dos Advogados (Bar Association), equivalente à nossa OAB, e a Clínica Betty Ford (para alcoólatras) divulgaram um estudo neste ano de que os advogados possuem três vezes mais o nível de abusos de substância (álcool,drogas) do que outras profissões e eu acho duas vezes mais doenças ou perturbações mentais. A questão fundamental é o que acontece a uma pessoa, se ela passa a vida toda lutando contra? Isso acaba deixando cicatrizes. A razão para um personagem assim comum é porque é verdadeiro.

DK: Uma das coisas que contribuem a esse colapso moral e físico, que tantos advogados sofrem, é que muitos seguem a advogacia porque existe um viés nobre nessa profissão. As pessoas possuem essa nobreza em si e acham que essa profissão se relaciona com essa nobreza. Quando não se torna realidade, tem um efeito devastador no caráter da pessoa. Pode causar problemas para sua psique e suas condições emocionais.

O personagem de Billy McBride está meio acabado e até repulsivo. Mas aquela parcela de humanidade e aquela lembrança da nobreza que da primeira vez levou-o a escolher a profissão, ainda está lá dentro dele! 
O fato é que esses caras ainda querem guerrear com os moinhos de vento (como Don Quixote) e acreditam na justiça.
Billy é uma pessoa, que se esforçou para ser um advogado, realmente percebeu que ele iria confrontar situações, mas que depois poderia torná-las melhores do que as encontrou. Esse era o papel como advogado e isso não está morto ainda. Ele foi chutado, surrado e jogada na sarjeta, mas não está morto. Este caso (1ª temporada) meio que desperta nele a oportunidade para sair da situação estagnada em que se encontra.
Eu cresci adorando Don Quixote. Há uma versão deste personagem em muitos, muitos advogados e há uma em Billy.

TV: A série é chamada Goliath porque é sobre uma pessoa indo contra forças enormes no mundo legal e corporativo. Vocês acham que ainda há espaço no sistema legal para o indivíduo?

DK: Sim, contudo menos. Jonathan, você sabe mais das estatísticas do que eu.

JS: Quando começamos nossas carreiras legais, os advogados daquele tempo queriam ser o modelo de Atticus Finch do livro To Kill a Mockinbird - O Sol é para Todos), e quando eu estava no escritório de advogacia Kirkland and Ellis há três anos, todos os advogados estavam indo para o segmento corporativo. Eles queriam trabalhar dentro de escritório de grandes empresas, como a Apple. 

O Direito para qual entramos, que era a tradição de Abraham Lincoln contando uma estória para 12 jurados, agora chegamos ao ponto onde 20 empresas de advogacia nos EUA apresentam receitas de mais de 1 bilhão de dólares. Enquanto isso, o número de julgamentos no país caiu 50 a 60% nas maiores áreas metropolitanas - 50 a 60% menos oportunidades para cidadão médio chegar à frente de um juri.

Isso é mau! James Madison, em seus "Papeis Federalistas" disse que o controle mais importante no poder do governo é um julgamento com juri. Alexis De Tocqueville veio à América e disse: "A classe dos advogados e o julgamento com juri são as maneiras mais importantes para evitar que a democracia seja dominada por interesses econômicos.

DK: A beleza é que, se você pode chegar lá, a verdade ainda tem uma chance. O juri ainda é o grande equalizador. É a arena onde as coisas se equivalem. O problema é que você não consegue chegar a essa arena. Só para entrar nesse coliseu, nesse local, precisa de muito dinheiro.

É essa a realidade encarada por Billy McBride. O gancho da série, ao se seguir em frente, é se ele consegue forjar seu caminho para chegar nessa arena. Se ele conseguir, então a verdade ainda tem uma chance. Mas não será fácil.

TV: Digamos que eu seja um ativista político. Vocês acham que a minha melhor chance de conseguir uma mudança é por um julgamento com juri?

JS: Thurgood Marshall (juiz da Suprema Corte de 1967 a 1991) pensava assim. Para ele, a única maneira que você pode conseguir mudar o preconceito racial neste país era ir ficar de frente para um juri.
A proposta 8, que baniu o casamento gay na Califórnia, somente foi derrubada porque foram para a corte em julgamento.
No nosso amado estado da Califórnia, quando a Suprema Corte disse que você não podia mais discriminar sobre habitação baseado na raça, o que nós fizemos? Nós passamos a Proposta 14 que dizia, na Califórnia, que você tem direito constitucional de não querer alugar para negros. Eles tiveram que ir para a corte para derrubar isso.
Toda grande mudança neste país tem sido feita em frente de um juri. Como cidadão, nós estamos interessados apenas no drama do que se leva hoje em dia para chegar até lá. Mas eu concordo com David: se você consegue chegar lá e se você é um bom advogado como Billy, você pode ter sucesso.


E>D  - James Spader, David Kelly e William Shatner - Boston Legal

TV: Vocês já fizeram muitas séries em canais e redes tradicionais de TV. O que pode ser mais interessante nesse novo modelo onde vocês sabem que as pessoas vão assistir três ou quatro episódios de uma vez? Como vocês mudaram o estilo dos diálogos, agora que estão escrevendo para a temporada, em vez do episódio?

DK: A grande mudança é se livrar das restrições da rede de televisão. Você se habitua a escrever atos de oito minutos depois de um tempo. Você constrói a sua estrutura e tem que criar chamariz ou situações de suspense para trazer as pessoas de volta após um comercial da TV. Você tem apenas 41 minutos para contar a sua estória, assim você tem que trabalhar de modo conciso e rápido.

Já aqui, o que nós descobrimos logo, especialmente com esses personagens, é que temos o luxo de deixar as cenas "respirarem".  Tínhamos que ser bons de texto nas redes de TV, o que é bom! Mas ser agora capaz de deixar um pouco nas entrelinhas, isso é ter mais liberdade.

TV: Você tem o dom de criar personagens que são facilmente identificáveis. Lógico que são interpretados por atores de porte como Billy Bob Thornton e William Hurt, isso ajuda, mas quais são os seus métodos principais de trazer um personagem que logo funciona?

DK: Quando você começa a escrever um piloto, você está tentando movimentar o enredo e o desenvolvimento dos personagens ao mesmo tempo. É perigoso se perder se for perseguir o enredo. Você pode ter os personagens na sua cabeça, mas é fácil se perder e não perceber que não os deixou bem formados.

Eu sempre começo com pessoas que são dimensionais, que tem defeitos, mas tem uma bondade interior, apenas porque eu sou um sentimentalista nesse sentido. Se elas não são complicadas e não tem defeitos, se elas não têm as fragilidades que acompanham os pontos fortes, eu costumo não achá-las interessantes.

Advogados, por ofício, são geralmente cheios de complexidade, mas cada personagem é uma página em branco. Nem todo personagem, sobre o qual escrevemos, vai funcionar e nem todo personagem criado vai se mesclar bem com o ator, que você trouxe para habitar aquele papel.

A seguir, você tem a flexibilidade de olhar para o ator, ver seus pontos fortes que trazem ao papel, olhar para a concepção original do personagem, ver se eles vão se encontrar e fazer isso se tornar um amálgama. Não é apenas uma criação dos roteiristas e idealizadores da série, mas também parte da criação dos atores.

JS: Nós esperamos que ao final, vocês perguntem se Billy é o herói ou Cooperman (William Hurt) é o herói.

DK: Um começa muito humano e se torna um pouco monstruoso e outro começa como um monstro e, conforme a gente vai tirando suas "camadas", revela-se mais humano do que pensávamos.


E>D  - Morgan Wandell (Amazon), Billy Bob Thornton, Maria Bello e David Kelly


Fonte: TheVox.com

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